Olá!
Sou a Ana Paula, autora do livro que você, provavelmente, acabou de ler. E, se você chegou até esse texto, é porque há algum interesse em saber mais sobre a obra e sobre o seu processo de criação. Por isso, vou compartilhar, aqui com você, algumas informações que acredito importantes para uma leitura mais aprofundada e para possíveis mediações.
Em meados de 2012, tornei-me madrasta do Cícero – na época uma criança de apenas 02 anos. De lá para cá, uma família foi formada, laços foram criados e muitas histórias foram construídas. Em 2020, em meio ao início de uma pandemia, tornei-me, também, mãe do Bem. E, apesar do desejo de escrever sobre ser madrasta para a infância ser antigo, somente em 2021 consegui colocar este projeto em prática. Ser madrasta me preparou para ser mãe. Ser mãe tem me transformado em uma madrasta melhor. E o isolamento causado pela pandemia de Covid-19 reforçou os laços, estreitou as relações, ampliou as responsabilidades e firmou meu pertencimento como madrasta dentro do meu núcleo familiar. Sendo assim, hoje, madrasta de um menino de 12 anos, mãe de um menino de 03 anos, atriz, cantora, produtora cultural e arte-educadora que atua na escola desde a primeira infância até a adolescência, me arrisco, pela primeira vez, como escritora.
A literatura sempre teve grande importância em minha vida, desde a infância. Hoje, como mãe, madrasta e educadora, os livros rodeiam meu dia a dia, minha casa, minha rotina, minha profissão, meus planos de aula. Contudo, os livros que mais me fascinam são aqueles que questionam, problematizam e incentivam transformações. O mundo se move, muda, se transforma, e nós precisamos caminhar na mesma direção do novo, sem esquecermos, obviamente, do que ficou para trás e do que nos fez chegar até aqui. Proponho aqui um livro que dialogue com o que acredito e com o que desejo para o mundo.
O livro Ué! Má minha madrasta não é! propõe um diálogo sobre um maternar diferente e tão marginalizado socialmente: o da madrasta. A proposta de uma literatura para a infância sobre a madrastidade (termo que une as palavras madrasta e maternidade, muito utilizado atualmente nas discussões entre madrastas) vem com o intuito de questionar e problematizar o estereótipo criado para toda e qualquer mulher que se torna madrasta: o de má. Tal rótulo, embasado e reforçado constantemente pelos tradicionais contos infantis, pelos filmes da Disney ou até mesmo pela sociedade patriarcal e conservadora na qual ainda vivemos, criou um estigma, como se fosse um padrão de comportamento inerente a qualquer mulher que venha a se tornar madrasta, ocupando o imaginário coletivo entre crianças e adultos. Essa mesma mulher, quando assume tal função familiar, muitas vezes é impossibilitada de criar, educar e amar essa criança, agora conhecida como sua enteada. Cabe a ela títulos como os de vilã, bruxa malvada, ladra de crianças, destruidora de famílias, intrusa, não restando qualquer espaço de pertencimento nessa nova construção familiar. Desconstruir essa deturpada imagem social não é fácil, mas necessário. E sabendo que contos infantis sempre tiveram enorme influência nas definições de certo e errado, bem como nos exemplos de sociedade, podemos afirmar que, para desconstruir o que já foi levantado por eles, novos contos precisam ser construídos com novas histórias e novos exemplos, pautados na realidade contemporânea, no respeito à diversidade e nas novas leituras de mundo.
É muito comum, infelizmente, que a sociedade faça relações entre a primeira sílaba da palavra madrasta – “ma” – com o adjetivo “má” (malvada). No entanto, o que as pessoas não sabem é que a sílaba “ma” em madrasta vem de mater, que significa “mãe”. Além disso, essa relação vem de uma construção social que pode e deve ser desfeita. Pois, vejam bem, ninguém relaciona a sílaba “ma” de maçã ou de marido ou de maquiagem ou de Marina com “má” de malvada, não é?
MA.DRAS.TA: vem do latim matrasta, que significa “nova esposa do pai”, e faz alusão à palavra mater, que, do latim, significa “mãe”.
“É uma maternagem. É cuidado, sim. E não precisamos de eufemismos, como ‘boadrasta’. [...] Madrasta não é palavrão!” (Mariana Camardelli, criadora da comunidade Somos Madrastas).
Constantemente, a madrasta sofre algumas sanções e exclusões para fora do núcleo familiar, se sentindo, portanto, uma eterna estrangeira dentro de sua própria casa e de sua própria família. Por vezes, além dos conflitos já existentes entre os pais da criança após uma separação, surge ainda a figura da madrasta, por quem a criança até pode nutrir algum afeto, mas sem se sentir autorizada. Dúvidas vão cindindo a criança ao meio, como: “será que posso gostar de minha mãe e de minha madrasta?”; “será que minha mãe vai se sentir traída?”; “será que elas sentirão ciúmes uma da outra?”; “qual o papel, afinal, da minha madrasta?”.
Atualmente, são cada vez mais comuns essas novas construções familiares, e a realidade contemporânea na educação dessas crianças, com as opções de co-parentalidade e parentalidade paralela. Sendo assim, discutir essa realidade tão frequente e ainda vista como tabu entre as famílias é o principal objetivo da obra, tendo em vista a imensa quantidade de famílias mosaico (também chamadas de pluriparentais) no mundo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não existem dados específicos sobre a população de madrastas no Brasil. Porém, em 2010, foi a primeira vez que o Censo Demográfico considerou enteados em sua pesquisa, resultando em mais de 2,5 milhões de casais com filhos de apenas um dos cônjuges, sendo o total de 25 milhões de casais com filhos. E falando especificamente de uma perspectiva heteronormativa (porque não podemos esquecer das madrastas casadas com as mães das crianças), o número de mulheres solteiras que se casaram com homens divorciados cresceu cerca de 60%. Segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB), o número de divórcios vem aumentando, e após a pandemia, a tendência é aumentar ainda mais. No Brasil, 01 a cada 03 casais vem a se divorciar. Segundo a terapeuta de casal, Adriana Zilberman, em torno de 60% das relações são de recasamentos. Tudo isso indica, portanto, que um núcleo familiar com a presença de uma madrasta é um dos novos perfis da família brasileira.
É urgente ressignificarmos a figura da madrasta, porque o papel que uma pessoa ocupa não define seu caráter. E porque amor nunca é demais!
Quero compartilhar, aqui, com vocês, uma das situações mais intensas e marcantes vividas por mim, como madrasta, e que influenciou fortemente a escrita deste livro. Estava dando aula para a Educação Infantil, em uma turma de Contraturno, com crianças de idade entre 4 e 6 anos. E, em algum determinado momento, citei meu enteado e disse que eu era madrasta. Muito bruscamente, uma das crianças – que já me conhecia há bastante tempo e que era, inclusive, muito apegada comigo na escola – fez uma expressão de horror, levando seu corpo para trás e dizendo: “CREDO, PROF!”. Essa situação marcou muito minha história e minha decisão em lutar contra uma educação que reproduza preconceitos, falsos estereótipos e injustiças. A escrita desse livro vem para propor uma nova perspectiva e para aproximar a figura da madrasta do seu papel real de maternagem.
Ué! Má minha madrasta não é! conta uma história ficcional – apesar de inspirada na minha história real com Cícero, meu enteado. O livro é narrado por um menino que se relaciona muito bem com sua madrasta. Mas influenciado pelo que ouviu por aí, o mesmo, desconfiado, parte em uma investigação para descobrir se sua madrasta é mesmo boa gente ou não. A história se desenrola e o que o menino realmente descobre é que sua madrasta é uma pessoa que se preocupa com ele, que comete erros, acertos, que reconhece suas falhas e que o ama – ou seja, que ela é uma pessoa real e que não tem nada de má.
A obra literária para a infância aqui proposta, portanto, pretende construir uma nova narrativa possível para as madrastas e seus enteados, permitindo uma relação familiar de afeto, de respeito, de educação e de amor. Sob uma perspectiva sensível e respeitosa para com as famílias mosaico, a obra tende a incluir crianças pertencentes a esse tipo de núcleo familiar, naturalizando, assim, a estrutura destas famílias e as relações de afeto e amor envoltas em um maternar para além da figura da mãe.
Espero que essa obra te atravesse e te sensibilize!
Obrigada pelo interesse de me ler até aqui.
Desejo a nós importantes questionamentos, potentes diálogos e lindos movimentos!
Com carinho,
Ana Paula Beling, a autora